quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo como Representação Política nas Redes Sociais

Hoje é impossível negligenciar a repercussão dos eventos contemporâneos nas mídias sociais. Tanto para o bem como para o mal, a construção do fato [acontecido] passa - decisivamente - pelas redes informacionais que - deslocadas de território político - formam uma espécie de hiper-realidade sem referência direta com o acontecimento concreto. O atentado terrorista contra o jornal Charlie Hebdo [07/01/2015] é seminal para pensar, na margem de "Clio", em tempo esvaziado de historicidade. Nas redes sociais e nas mídias tradicionais a trans-historicidade do projeto moderno despertou o debate. A "liberdade de expressão" passou a representar valor inalienável naquele contexto pós-traumático, paradoxalmente na jaula de ferro da "Sociedade de Controle". A modernidade que parecia morta renasceu no calor da promessa de liberdade diante de sociedade cada vez mais subordinada ao poder etéreo e absoluto do capital. 
Ao lado, da emergência da promessa moderna de "liberdade de expressão" também foi possível perceber a ironia pós-moderna que descolada da complexidade do real vivido simplifica a história em nome do ceticismo político. Sintetizada na concepção de que a Revolução Francesa de 1789 malogrou efetivamente diante de uma França racista e imperialista. Trata-se de reação ideológica a fim de aniquilar a presença - ainda que tardia -  das utopias modernas emancipatórias e universais. É - essencialmente - niilismo. Visto que - intencionalmente - simplifica a história e negligência a dinâmica da democracia moderna.  Em absoluto, não há como negar os dados empíricos que contabilizam - até o presente momento - milhões de vítimas no Sul [de todo modelo cartográfico] do planeta em benefício dos blocos e países economicamente avançados e que carregam uma longa tradição de opressão colonial. Entretanto, nas teias da cultura política moderna também há as promessas emancipatórias que desde as revoluções burgueses atuam como horizonte político das classes proletárias, dos seguimentos de gênero, da igualdade racial e da liberdade gay. Não há construção cartográfica possível de aceite político que se sustente sem contemplar as promessas modernas emancipatórias. 

domingo, 16 de novembro de 2014

O Gigante Acordou: Da Paranoia à Esquizofrenia Anticomunista


David Harvey aponta uma importante distinção entre a mentalidade social moderna e pós-moderna que pode servir como mote explicativo para o entendimento do medo político que paira no imaginário da Direita brasileira. A modernidade caracteriza-se pela paranoia, ou seja, o descolamento da realidade com o excesso de suspeitas que se avolumam e proporcionam surtos persecutórios estruturados em bases lógicas. Em síntese, a paranoia é o absurdo exagero da realidade. Nos anos 50 e 60 a paranoia anticomunista inaugura – de fato – a Direita moderna brasileira como fenômeno de rua que se traduzia na fobia da ameaça à ordem cristã e à propriedade privada da qual logicamente representava o Governo João Goulart. Isto é tão evidente quando nos reportamos as imagens de poder apresentadas nos jornais da época. A paranoia estava exatamente no exagero do perigo vermelho, pois naquele contexto o comunismo internacional impunha-se como fato político [Guerra Fria]. Portanto, partia-se de uma realidade e de uma lógica relativamente palpável. Hoje sabemos que o perigo comunista era antes verossímil do que verdadeiro. A fraca reação da esquerda à derrubada de Goulart é esclarecedora. O Gigante Acordou antes como paranoia do que realidade política.
Na pós-modernidade é a esquizofrenia que mobiliza a mentalidade social. Trata-se de dissociação e dissintonia das funções psíquicas que fomenta a fragmentação da personalidade e a perda do contado com a realidade do mundo social. Estamos no século XXI o Socialismo Real nem agoniza mais, pois efetivamente não faz parte do mundo político desde 1991 com o fim da URSS. Entretanto, ainda se posta além do espectro político para a Nova Direita brasileira. Ao contrário da paranóia anticomunista, a esquizofrenia anticomunista não exagera na realidade, visto que não há realidade alguma. As tradições modernas estão volatilizando-se e o medo anticomunista revela a ausência de roupagem ideológica da Nova Direita frente à revolução molecular cotidiana que torna explícito o poder tradicional das elites de toda a ordem. O Gigante Acordou, nas manifestações de Junho de 2013, contudo não há relação entre a realidade concreta e o imaginário político apresentado pela Nova Direita. Não há consciência política, apenas há o inconsciente evocando seus fantasmas. 

A Direita Brasileira: Do Imaginário Político à Política Imaginada

O pensamento político de Direita é universal e empolga a dupla revolução moderna, na forma de produzir [Revolução Industrial] e nas relações de poder [Revolução Francesa]. Diante do solapamento revolucionário das estruturas feudais engendrou-se uma postura política moderna que consiste em conservar o poder nas mãos da vanguarda industrial-burguesa. Em substância. trata-se de visão negativa do homem e da sociedade [natureza imutável], da defesa da tradição e de restrição da igualdade à lei e à formalidade. Há também a concepção da sociedade a bloco unívoco sem contradições de gênero, de raça e de classe. A função do Estado – em geral – corresponde essencialmente ao poder de manter a segurança e de assegurar a propriedade privada. A liberdade é sempre do indivíduo abstrato e isolado que no interior do mercado deve exercê-la no limite de seus méritos pessoais. A desigualdade social infere-se como fruto da natureza humana que pode ser corrigida com a suspensão de qualquer modelo de auxílio social [medida artificial e perniciosa] e a positiva pressão do mundo do mercado sobre os indivíduos. 
Há na política sempre elemento cultural e histórico que regionaliza as práticas de poder. A especificidade da Direita brasileira está – sem dúvida – no tardio estabelecimento do contraponto político advindo do proletariado moderno e do jacobinismo igualitário que no choque político proporcionou – nas nações avançadas – o equilíbrio importante para o nascimento das democracias liberais modernas. Aqui – por exclusão da maioria da população do campo político – a democracia por um longo tempo sempre foi um simulacro de modernidade. O Brasil nasce em 1822 no calor da dupla revolução, mas independentemente das forças revolucionárias modernas o pensamento político dominante no país foi o de adaptação elitista do moderno às estruturas de poder tradicional. Não há povo como realidade política. Assim, a latifúndio e a escravidão mantiveram-se como fenômeno que indicia o elitismo brasileiro impregnado nas instituições e que marca a desigualdade como o imenso atraso do Brasil. Ainda hoje a escravidão e o latifúndio estão, sob o véu da modernidade, presentes na matriz das desigualdades de toda a ordem no país [trabalho doméstico sem garantias modernas, trabalho infantil, trabalho escravo não são meros acidentes]. Dessa forma, no discurso político da Direita brasileira não há qualquer oposição entre desigualdade social e modernidade econômica. Há no imaginário político da Direita o medo da alteração da ordem social engendrada pelo mercado e que naturalmente empurra os indivíduos para a prosperidade. A Direita brasileira pontua seu imaginário na naturalização das desigualdades no país. Como os pobres no Brasil estão ainda ligados aos desdobramentos do escravismo a saída ideológica consiste em negar qualquer reparação histórica. Efetivamente, o fim do escravismo foi muito mais ato de eliminação da vergonha das elites nacionais frente às nações liberais modernas do que política ética de emancipação e integração dos afro-brasileiros. Na caixa de pandora das elites políticas está o preconceito e a visão negativa frente às massas empobrecidas.

sábado, 1 de novembro de 2014

O Voto e o Reino Da Necessidade no Brasil Novo

Estamos diante de um mundo novo no Brasil. E como dizia Hegel: "[...] esse mundo novo não tem, como não a tem a criança recém-nascida, uma realidade efetiva acabada". Assim, não é no senso comum que encontraremos a explicação para o novo que invade nosso velho mundo da Casa-Grande & Senzala. Há neste Brasil novo uma transformação social acelerada com a saída de dezenas de milhões de brasileiros da faixa de pobreza absoluta e o fortalecimento econômico da classe C - como resultado imediato  houve a universalização do Ensino Básico, o incremento de estudantes no Ensino Superior e a queda do percentual de analfabetos no país. Com isto é possível afirmar que houve uma melhoria significativa na qualidade do voto dos eleitores brasileiros - e não o contrário como poderíamos imaginar. E é esta realidade nova que não podemos contornar ao avaliar a popularidade de um governo alvo de excessiva espetaculização midiática e que - indiferentemente - alcança vitória nas urnas.  


O resultado da alta popularidade de um governo progressista no país, independentemente da ofensiva midiática, produziu nos intelectuais brasileiros [como no digníssimo José Murilo de Carvalho] a reprodução sofisticada do senso comum. Ou seja, a alta popularidade deste governo se explica pelo apoio dos pobres do "Bolsa Família" e pelo atraso da educação brasileira. A expressão - presente na filosofia moderna - reino da necessidade explicaria a relação entre o baixo nível social e a escolha pelo governo do PT. O grosso dos eleitores que optaram pelo governo Dilma não o fizeram por liberdade, mas por necessidade material e baixa instrução escolar. Argumento esteticamente aceitável - como toda a imagem no pós-modernismo - mas vazio de conteúdo explicativo. Não é preciso nem reler Kant ou Hegel para refutar esta redução conceitual. O reino da necessidade está no todo da sociedade civil e influencia, sim, o voto dos eleitores modernos. Contudo, influencia a todos - sem exceção. É tão legitimo e racional a escolha por parte de eleitores beneficiados pelo "Bolsa Família" por Dilma como a escolha por Aécio Neves por parte de grandes empresários e banqueiros beneficiados com a política econômica neoliberal. Claro que é uma escolha no campo do reino da necessidade [economia] e seria melhor uma escolha no reino da liberdade, mas a decisão livre passa pela libertação da "jaula de ferro da modernidade e do mercado" da qual estamos todos presos.

domingo, 8 de dezembro de 2013

Do Fetiche Da Mercadoria À Vida Social Dos Objetos

 Esse caráter fetichista do mundo das mercadorias provém [...] do caráter                                                      social do trabalho que produz mercadorias.
                                                   Karl Marx - O Capital 

  Tornou-se um clichê dizer que nós não devemos tratar as pessoas como                                                      coisas. Mas trata-se de um clichê equivocado. O que fizemos com as                                                            coisas para devotar-lhes um tal desprezo?
                            Peter Stallybrass - O Casaco de Marx

Em essência, Marx já no inicio de O Capital trava esforço interpretativo a fim de desvendar o enigma da mercadoria. Há na mercadoria - no mundo social da produção e das trocas - um segredo que precisa ser estrondosamente revelado, ou seja, o caráter fetichista da mercadoria. Na sociedade capitalista a mercadoria universaliza-se no mercado, cada vez mais globalizado, em que a equivalência entre os objetos de consumo se descolaram da realidade social dos produtores. O fetiche da mercadoria traduz exatamente o processo de autonomia completa dos objetos socialmente produzidos de seus efetivos produtores. Conceito da antropologia que servia para identificar e desqualificar os povos pré-capitalistas da África - sempre presos aos objetos mágicos - frente à razão moderna Ocidental - que em passo de "evolução civilizacional" - agora percebia os objetos como coisas que se podia comercializar. De fato, a partir da alta modernidade houve uma radical cisão ética entre o "ser e os objetos". O sujeito procura escapar da condição de objeto. Ser livre é não ser objeto. É preferível uma filosofia de "o ser e o nada" do que de "o ser e o objeto". Não é a toa de que a crítica moral mais contundente à modernidade se encontre exatamente em seu materialismo explícito. 
Entretanto, é importante escapar dessa crítica moral, mesmo Marx enfatizava que havia dois valores aos objetos: o de uso e o de troca. No mercado o objeto é sempre troca - transforma-se em mercadoria carregada de fetiche. Mas na vida social os objetos estão carregados de memória e afetividade atributos construídos nas práticas ordinárias de uso. Há uma vida social dos objetos que precisa ser compreendida para que possamos pensar o objeto como ser carregado de memória e afetividade. Independentemente do contexto de hiperconsumo e de  descarte acelerado dos objetos a fim de consumo de novas mercadorias, ainda há nas coisas valor que transcende à publicidade. Quando o corpo esvazia-se de vida isto fica evidente, pois diante dos objetos pessoais é possível ainda sentir a vida daquele corpo que já não existe mais, as roupas, os óculos, os sapatos, os livros e a mobília estão tão carregados de existência humana que é impossível desprezá-los. 

domingo, 8 de setembro de 2013

A Massacre de Katyn e a Distopia da História Limpa

O filme Katyn do polonês Andrzej Wajda é importante para a reflexão por parte de docentes e historiadores, visto que diz respeito à evocação, apropriação e manipulação da memória social. Em 1939 a Polônia foi invadida pelos dois flancos - por soviéticos e alemães - na floresta de Katyn 20 mil oficiais do exército polonês foram cruelmente assassinados por soviéticos - não foi uma execução militar, mas puramente um crime bárbaro - a fim de eliminar as elites militares para tornar frágil o país numa futura invasão. Trata-se de razão militar instrumental - a mesma operada nos "Campos de Concentração Nazistas" e na cruel utilização das "Bombas Atômicas" contra os japoneses. Como a característica fundamental dos "crimes bárbaros" modernos é a negação de sua existência e/ou o silenciamento sobre os fatos por parte daqueles que ordenaram o ato torpe, a narrativa fílmica trata de apresentar as estratégias e táticas de Estado e da sociedade diante do acontecimento. Num trinômio de práticas, os parentes e amigos das vitimas desejavam a ilustração real do acontecido, ou seja, sublinhar eticamente que "foram os soviéticos os verdadeiros responsáveis". Então, procuraram inúmeras formas de resistir a apropriação e manipulação dos fatos de Katyn. Noutra perspectiva, o Estado Alemão apropriou-se da memória utilizando os fatos para demonstrar que diante do poder soviético-comunista a ocupação alemã representava libertação, quando na realidade o nazismo estava desenvolvendo as mesmas práticas de extermínio - na Polônia - com os mesmos objetivos. Depois da ocupação soviética - com a derrota alemã - na Polônia o novo governo passou a manipular a memória acusando os alemães-nazistas pelo extermínio de Katyn do qual os soviéticos foram o verdadeiros responsáveis. 
Dessa forma, não é exagero a expressão "Combates pela História", o docente de história e os historiadores vivenciam cotidianamente tensões institucionais frente a chamada "História Oficial" de interesse dos Estados e do Capital que se caracteriza por uma história limpa dos fatos inconvenientes que insiste em substituir a verdade insuportável pela omissão tranquilizadora. De nosso lado, temos compromisso com nossa bossa; com a razão, os documentos e a memória social. Não há historiador ético que negligencie o bom combate. A distopia da história limpa revela a dimensão política da escrita da história. O real vivido não está paralisado no passado a espera do historiador para que de fato se transforme em saber histórico. A memória social e os documentos estão carregados de relações de poder que imperam no cotidiano. Não há como escrever a história alijada dos poderes institucionais e econômicos modernos que nos interpelam e nos agenciam a cada momento que respiramos o acontecimento. É em tensão que a memória se faz social - na guerra isto é evidente. Quando cessa o conflito belicoso a tensão ainda persiste sobre meios agora ideológicos. Assim, cabe aos docentes e historiadores - como já afirmou Pierre Vidal-Naquet - arrancar os fatos históricos das mãos dos ideólogos que os exploram. 

A Crise da Mídia Tradicional e a Dissuasão da Informação

A mídia tradicional está em crise. Trata-se de  crise  estrutural. Em tempos de múltiplos meios de acesso e de inflação de informação o suporte convencional de construção e controle da informação mostra-se pouco eficiente no campo econômico e político. A venda recente do jornal americano Washington Post ( de 135 anos de existência) por valor pelo menos dez vezes inferior ao seu capital de mercado - 250 milhões de dólares - é emblemática. É a nova burguesia do virtual (proprietário da Amazon) solapando o paradigmático "Cidadão Kane" - imagem fílmica do poder da mídia tradicional.  
O esbatimento econômico da mídia moderna traduz  a incapacidade ou, quiçá, a inviabilidade de inserção da informação disciplinar num contexto de explosão da informação proporcionada pelos micro-aparelhos de comunicação pessoal numa infinidade de redes. E é exatamente essa transformação tecnológica que viabiliza a explosão da informação e arrasta as mídias corporativas para uma crise de credibilidade - sem precedentes -  da própria informação tradicional, em poucas palavras, a poder da mídia-empresa está nu e não há mais possibilidade de retorno.
Sem dúvida, o poder está nu, mas não está ausente. A mídia continua sendo antes instrumento de criação do que registro de realidade - constatação importante já posta por Pierre Bourdieu. Os protestos de junho no Brasil foram apropriados apressadamente pelas mídias corporativas. Contudo, a
resistência dos manifestantes à presença dos jornalistas corporativos e a emergência da própria mídia dos manifestantes [NINJA - Narrativas Independentes - Jornalismo e Ação] evidencia a crise de território antes de ocupação exclusiva da mídia-empresa. 
O território da informação hoje é contestado numa época de explosão de informação - o que não representa necessariamente a imediata democratização   da representação informacional do acontecimento. No virtual, não há espaço seguro. Dessa forma, o movimento político progressista que objetiva regular a informação, para não se tornar anacrônico, precisa antes democratizar o acesso social e popular aos meios de comunicação do contrário - como disse Paul Virilio -  depois da dissuasão nuclear estaremos diante de dissuasão da informação absoluta.  Esmagados pelas corporações midiáticas, por um lado e por outro, pelas mídias pulverizadas e anárquicas - numa guerra de informação onde o resultado sempre será zero.